Com a adoção da extração do azeite no sistema de “duas fases”, a partir dos anos 90 do século passado, o subproduto obtido passou a ser, essencialmente, o bagaço “húmido” com teores de humidade superiores a 65% (Figura 1).
Esta alteração da tecnologia de extração, passando da anterior de “três fases” para a de “duas fases” eliminou o problema ambiental das águas ruças, verdadeiro resíduo de tratamento difícil, mas criou um problema tecnológico por dar origem a um subproduto, os tais bagaços “húmidos” (que resultaram da não separação da água de vegetação da azeitona), sem possibilidade de utilização direta. Para possibilitar o aproveitamento destes bagaços foi então necessário construir grandes instalações de secagem, que retiram a humidade em secadores do tipo Trommel, obtendo no final do processo um bagaço “seco”, com cerca de 15 a 20% de humidade. Estas instalações de secagem passaram a ser os grandes beneficiários desta alteração do processo da fileira oleica, obtendo receitas através do pagamento dos lagares por cada tonelada de bagaço “húmido” entregue, pela venda dos caroços que conseguem extrair do bagaço antes da secagem (Figura 2), pela comercialização de óleo de bagaço de azeitona extraído com solventes dos bagaços “secos” e pela posterior comercialização dos bagaços “extratados” para queimar em caldeiras, para a indústria dos alimentos concentrados para animais ou para a produção de fertilizantes orgânicos.
A revolução dos novos lagares de azeite 4.0
Conscientes desta perda de receitas, os lagares de azeite passaram, numa primeira fase, a retirar os caroços de azeitona e a introduzir mais um decanter no circuito de extração (a famosa linha/decanter de “repasso”), para retirar o máximo possível de azeite dos bagaços “húmidos” antes de os enviar para o secador industrial, que passou a receber uns bagaços “esgotados”. Desta forma, para além da venda de azeite de qualidade (virgem ou virgem extra), os lagares passaram a vender caroços para queimar em caldeiras e azeite lampante obtido na linha de “repasso” que tem de ser refinado.
Nos lagares mais modernos, de tecnologia dita 4.0, essa linha de “repasso” já foi substituída por decanters com sensores NIR e software com Inteligência Artificial que permitem um ajustamento em tempo real dos parâmetros de funcionamento do decanter, sem intervenção humana, para reduzir ao mínimo possível a perda de gordura para os bagaços “húmidos” (Figura 3).
Mais recentemente, os lagares de maior dimensão passaram a fazer o aproveitamento de uma parte dos bagaços, através de composto orgânico, reduzindo as quantidades de bagaços “húmidos” enviados para secagem. Os compostos produzidos em pilhas de compostagem, resultam de uma mistura de bagaços húmidos (até 50% do total da pilha), de folhas de azeitonas (obtidas também no lagar no processo de limpeza da azeitona), restos de poda das oliveiras e de estrume animal (máximo de 30% da mistura). No entanto, vários lagares em Portugal estão a estudar soluções tecnológicas que lhes permitiriam deixar de enviar os bagaços “húmidos” para os secadores de bagaços, extraindo deles o máximo de receita, em instalações contíguas aos lagares. Falamos de produção de biogás, a produzir em biodigestores, que obteriam biogás (com alto teor de biometano) por biodigestão dos bagaços “húmidos”, que seria posteriormente injetado na rede nacional de gás natural. Outra possibilidade em estudo é a construção de instalações de bioconversão dos bagaços “húmidos”, por intermédio de larvas de insetos, em fertilizante orgânico de elevado valor. Com estas soluções, os lagares de azeite de média e grande dimensão passam novamente a ser os beneficiários das receitas dos subprodutos por eles produzidos, em detrimento dos secadores de bagaços de azeitona (…).
Fonte: Voz do Campo, 7 Agosto 2024
Commentaires