Regantes de Huelva alegam não terem sido informados sobre o pagamento da água captada na albufeira de Alqueva e no troço internacional do rio Guadiana. Ministra confirma valor acordado com Espanha.
A ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, anunciou publicamente que Espanha deverá pagar dois milhões de euros por ano pelo acesso à água da albufeira de Alqueva. No entanto, em declarações a vários órgãos de comunicação social, Espanha ainda não confirmou os valores anunciados e prefere apenas sublinhar que as negociações para o acordo entre os dois países, a assinar no final de Setembro, ainda estão em curso. Com a ausência de uma confirmação oficial do Governo espanhol, instalou-se a confusão e também a dúvida sobre quem vai pagar a factura.
As declarações prestadas esta semana pela ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, ao garantir que Espanha vai pagar dois milhões de euros pela água captada nos braços da albufeira de Alqueva, suscitou uma onda de dúvidas e incertezas em vários títulos da imprensa regional de Andaluzia. Contactada nesta quinta-feira pelo PÚBLICO, fonte do gabinete da ministra garantiu que a governante mantém as declarações sobre o montante a pagar anualmente pela água do Alqueva acordado com Espanha.
Porém, recorrendo a uma referência do diário ABC de Sevilla, o título português Jornal de Negócios referia na quarta-feira: “Madrid desmente a ministra: espanhóis não vão pagar dois milhões por água do Alqueva.”
Por seu lado, a RTP solicitou um esclarecimento ao Ministério da Transição Ecológica e Desafio Demográfico (Miteco), entidade que confirmou a existência de um pré-acordo entre os dois países para o pagamento da água de Alqueva, mas não refere qualquer valor associado às negociações, que ainda estão a decorrer. O ministério espanhol referiu apenas que se chegou “a um possível acordo sobre esta situação, que fará parte das negociações entre ambos os países".
O Governo espanhol admite, no entanto, que se trata de "uma situação atípica (áreas de cultivo em Espanha com captações em Portugal e títulos legais emitidos pela Confederação Hidrográfica do Guadiana) que importa regularizar juridicamente, quer em termos de volume utilizado, quer em termos da sua compensação económica pela garantia gerada pela albufeira portuguesa".
E, sem referir o valor acordado pela referida compensação económica, o Miteco refere que "as equipas de trabalho de ambos os ministérios, que há algum tempo se debruçam sobre esta questão, chegaram a um possível acordo sobre esta situação, a que a Ministra portuguesa se referia nas suas declarações e que fará parte das negociações entre os dois países no âmbito da Comissão de Aplicação e Desenvolvimento do Acordo a realizar no próximo dia 26 de setembro em Madrid".
Após a reunião realizada em Lisboa no início de Julho – que juntou a ministra do Ambiente e Energia, Maria da Graça Carvalho, e a ministra da Transição Ecológica e Desafio Demográfico, Teresa Ribera —, foi assumido pelas duas ministras que Portugal seria compensado financeiramente por Espanha pela água captada ilegalmente ao longo das últimas duas décadas na bacia de Alqueva.
A EDIA fez as contas à água captada directamente pelos agricultores espanhóis na barragem de Alqueva nos últimos 20 anos e calculou ter ascendido aos 40 milhões de euros. No dia 10 de Julho, Maria da Graça Carvalho anunciou durante uma audição na Assembleia da República que Espanha vai pagar dois milhões de euros por ano pelo consumo de água da albufeira de Alqueva.
Aliás, nessa mesma sessão, a ministra adiantou ainda que nas três reuniões já tidas com a sua homóloga espanhola, Teresa Ribera, ficou “bem claro” o interesse espanhol em contabilizar a dívida pela água de Alqueva e em ultrapassar o “mal-estar” gerado por estas captações ilegais das últimas duas décadas. “Estão todas georreferenciadas e foram contabilizados os valores”, e dão cerca de “dois milhões de euros por ano”, o que corresponde, nos 20 anos, aos 40 milhões de euros, “que eram valores que já circulavam entre os agricultores do Alentejo”, confirmou então Graça Carvalho.
"Desmentido parcial"
Na edição desta quinta-feira, o ABC de Sevilla fala num "desmentido parcial" de Espanha, salientando que a única coisa que o Governo espanhol confirma é que os dois países estão a "trabalhar intensamente para encontrar uma solução benéfica para todos, que responda às necessidades de água de ambos os lados da fronteira”. Mas observa que este objectivo esteja próximo. “É mais um desejo dos agricultores e regantes do que uma promessa do ministério”, apesar de “tanto o Governo de Espanha como o de Portugal estarem conscientes de que este é um problema de longa data”.
Por sua vez, prossegue o ABC, fontes do Ministério da Agricultura pediram à Miteco que dê, sobre este ou qualquer outro acordo hipotético, "uma explicação de onde viria o dinheiro". O que mais chamou a atenção deste título da Andaluzia é que a ministra portuguesa especificou com tanta precisão que a assinatura do acordo entre os dois países ocorreria no dia 26 de Setembro. A notícia surpreendeu tanto o governo andaluz como as associações de regantes andaluzes, que não receberam orientações ou detalhes sobre o acordo.
Em qualquer caso, a Junta de Andaluzia insiste que, “neste ou em qualquer outro acordo hipotético, é preciso explicar de onde viria o dinheiro, porque se representa um encargo para os agricultores andaluzes, devem ser negociadas as melhores condições para eles”, refere o ABC de Sevilla.
O presidente do Conselho Provincial de Huelva, David Toscano, congratulou-se por “finalmente” as posições entre Portugal e Espanha irem no sentido de um acordo, algo que “já se exigia há muito tempo”. Contudo, este responsável lamenta que, na informação a que teve acesso, se vislumbre "uma solução a curto prazo e não a definitiva de que Huelva necessita” para resolver a escassez hídrica da região.
Um "possível" acordo, mas sem valor acordado
Por sua vez, o diário Huelva Información adianta que “Portugal e Espanha estão perto de chegar a acordo para levar água da albufeira de Alqueva para Huelva”, acrescentando que Portugal “dá como certo um acordo de dois milhões de euros anuais que a Miteco nega já ter fechado”.
O jornal destaca que Maria da Graça Carvalho refere que “Espanha está disposta a pagar o que nos deve pela água do Alqueva”, salientando que o valor acordado não é “exorbitante” para o lado espanhol.
Apesar disso, fontes do Miteco “asseguram que este acordo não está fechado e negam este pagamento a que o ministério português se refere”. Na verdade, falam apenas em ter chegado a “um possível acordo”, assinala o Huelva Información.
Por sua vez, a ministra do Desenvolvimento, Articulação Territorial e Habitação Rocío Díaz, da Junta de Andaluzia, destacou nesta quarta-feira que “ainda não se conhecem os termos do acordo” entre Espanha e Portugal para a transferência de água da albufeira de Alqueva para a província de Huelva. Garantiu que tomaram conhecimento do acordo “através dos meios de comunicação social” e que não possuem “qualquer tipo de informação oficial sobre o mesmo”, nem o Miteco contactou o Governo andaluz.
Também as 13 comunidades de regantes que compõem a associação Huelva Riega “mostraram-se cautelosas” relativamente ao anúncio do acordo entre Espanha e Portugal, ao mesmo tempo que indicaram que aguardam para conhecer o seu conteúdo final para fazer uma avaliação, sublinha o jornal de Huelva.
Nesta fase do processo, com vista à assinatura do acordo entre Portugal e Espanha para a utilização da água de Alqueva, subsistem dúvidas e equívocos sobre a água que vai passar a ser paga e que é recolhida a partir das 40 captações directas instaladas na albufeira de Alqueva para servir o regadio de Olivença e Cheles.
Contudo, as dúvidas que se têm revelado mais persistentes permanecem também em relação à captação de água pelos espanhóis no Pomarão. Ou seja: só a água captada directamente da albufeira de Alqueva é que será paga? E aquela que é captada ilegalmente a partir do Pomarão e que serve para regar a horta da Europa, em Huelva, será fornecida graciosamente?
Faltam ainda os esclarecimentos sobre os volumes de água já consumidos ao longo das últimas duas décadas, tanto a partir da albufeira de Alqueva como através da captação que os espanhóis instalaram no Pomarão. O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao Ministério do Ambiente e Energia sobre estas questões, mas até ao momento não obteve qualquer resposta.
Fonte: Público, 8 Agosto 2024
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